Sem poesia, a vida seria a morte.


domingo, 4 de outubro de 2015

A princesa e o dono do mar


Um dia se cansou de procurar. Passou muito tempo com o olhar perdido, perto e longe, aqui e lá, dentro e fora. Cada vez que encontrou, viu em todos desencontros. Princesa estranha essa. Tinha um jeito de salvar príncipes que passavam distraídos pela torre. Descia as escadas de seu templo, estreitas e intermináveis e os alcançava perto de serem devorados pelo dragão. Sim, havia por ali um dragão. De fogo e de terra ele destemido, protegia a princesa de si mesma. Mas a princesa insistia em salvar príncipes desencantados. Arrebatava e dominava o dragão (não o mataria jamais) e colocando o pobre príncipe cansado em seus ombros, subia a escadaria da torre e feliz, oferecia seus aposentos ao novo convidado. Mas era pequeno, muito pequeno o espaço que ocupavam. E ela, princesa guerreira se ressentia de ter tanto a oferecer e o príncipe salvo precisar de tão pouco. E aí mantinha seu hóspede que, muitas vezes esquecido de tanto espaço, desaparecia dentro de seus sonhos. E ela precisava da compaixão para suportar sua falta, seu espaço vazio, infinito.
Mas num dia desses ensolarados, sua dor era maior e decidiu ter compaixão de si mesma. Fechou suas janelas e parou de procurar. Desceu seu último desencontrado-quase-príncipe até embaixo e o entregou ao seu dragão. O dragão era seu medo e ela sabia que seu medo o devoraria. Diante da dor decidiu com seu coração: serei encontrada aqui em minha montanha. Quero o mar, mas ele virá até mim. Seu maior temor era de abrir a porta e o mar a inundasse. Por isso percebeu que preferia aconchegar-se e esperar por seu medo, corajosa. Mas agora, de janelas fechadas, sabia que não teria como fugir desse encontro. Todas as suas noites a partir de então, o medo a beijava levemente e sussurrava aos ouvidos com voz suave da morte: sou seu, me tome e me devore. E ela encolhida num canto da cama, procurava cega pela luz que saciaria seu algoz. No vento que chorava pelas frestas da janela fechada, morava o choro de seu medo. E o temporal que balançava a torre, tremia o coração da princesa. Cheia de espaço, plena de si mesma, ocupava tudo ao seu redor e a falta, uma ausência, que presente se ocupava de seu tempo, de seu templo. Pelo temporal que chegava, tudo dentro da torre se movia e dançava no ar. E agora num estranhamento de si mesma, a princesa voava junto com sua mobília. Caos e desordem, o acaso trouxe a chuva. Naquela dança sobre o ar, a princesa já havia esquecido a sua pergunta do seu medo. Sim, um medo sempre tem um pergunta. E a pergunta teme ser encontrada por uma resposta que arrebate sua vida e termine com seu destino. A princesa havia se esquecido de quase tudo. De suas perguntas, de seu medo, das janelas fechadas. Só a porta fechada era uma presença. A presença da falta de uma chave que a pudesse tirar dali. Olhava a porta como uma pergunta vazia. Já nem se lembrava mesmo porque o vento chorava e nem porque deveriam existir temporais. Adormeceu cansada de seu destino e sonhou um sonho em que a morte chegaria e seria sua chance de libertar a si mesma. Assim iria embora sem saber do que tinha ainda para viver. E sabia que ainda era tanto, mas não era nada e tudo o que restava ao sonho era uma saudade daquilo que ainda não poderia viver. Naquela noite apareceu-lhe um anjo. Trouxe na lua e nas estrelas a sua mensagem: a chave seria entregue e ela deveria permanecer desperta. Ainda sem acordar achou que deveria se apaixonar pelo anjo, mas suas mãos estavam vazias e frias. E o tempo passou. Na espera nasceu a prece. E a princesa em sua prece aceitava seu destino de céu ocupado pela falta do sol. Em sua prece aceitava tudo, pois foi além de sua dor, de sua espera, de sua falta e de sua ausência. Ainda anoitecendo, numa penumbra de si mesma, entregou-se na sua prece de amor. Na chuva, o tamborilar das gotas confundiam um som perfumado que veio da porta.
E no dia seguinte, depois de muitas outras noites incontadas, amanheceu um novo dia de temporal. Um dia misterioso era aquele, com uma cor de chave rara, um cheiro de ar fresco e molhado que vinha da porta. No olhar, um beijo se fez em amor. O amor fez o tempo parar e o relógio distraído, se deixou encantar com aquele encontro.
Então, lentamente, depois de mil lágrimas, um milagre: a porta se abriu. A prece chegou com sua a chave nos olhos de um príncipe-oração que a toma em sua sede. A porta se abre pelas mãos do homem dono do mar, a princesa se entrega em seus braços. E tomada do amor de seu homem feito de mar, cheia de sua água, a princesa entrou em si mesma.

Claudia Quintana
No avesso de um carinho 
sonho que teus cabelos acariciam meus dedos 
encosto meu peito nos teus ouvidos
e teu coracão me conta, marejado de amor.

é no alto da noite que a tristeza mais silenciosa vai chegar hoje,
a saudade me despertará.
De qualquer lado que eu viva hoje,
o outro adormecerá vazio.

CQ

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Lua que salva flores,
doce é a vossa e a minha paz hoje.

Hoje sou eu a melodia que te ilumina.
Lua, és só a mais atenta testemunha de tudo o que sabe me conter assim,

infinita.

CQ

domingo, 21 de junho de 2015

Nas minhas pernas, as tuas asas abrem
Nos meus olhos, os teus abismos caem.
Nas minhas palavras, os teus versos choram.

Em todos os sonhos te devolvo o meu primeiro beijo. 

CQ

sábado, 13 de junho de 2015

Uma música e suas partes
ritmo, 
melodia, 
som, 
harmonia. 

Toque. 
Poesia.

Ritmo que estrutura um tempo que não passa.
Melodia que conecta uma emoção que não cessa.
Som que traz harmonia para a dor que não fala.
Poesia que canta o que me conta..o que mais me conta.

Música que me cura, sara,
nem que seja por uns breves três minutos e meio.

CQ

quarta-feira, 29 de abril de 2015

O sono que chega sem saber que sonha,
A escolha de andar sem saber para onde,
O mundo que roda sem ser preciso,
as flores que murcham pelos motivos certos.

O homem que perde a fé no meio de seu medo, também ama.

Tinha tanto a fazer a mulher que morre hoje,
mas descansa. Escolhe só a vida que se aquieta nessa morte toda.

CQ

domingo, 26 de abril de 2015

Meditação

Pensamento
Sentimento
Coração
Tempo
Corpo
Eu

Ao mesmo tempo.
No mesmo lugar. CQ

domingo, 19 de abril de 2015

Os dias

"O tempo que ainda não pára
O som da voz que já não posso ouvir
O meu beijo que ainda não conheceu a tua boca
O sono que ainda não desperta...o sonho nosso feito em dias.
O amor que vive numa pequenina vida.

Uma vida que ainda tem versos."
CQ

domingo, 12 de abril de 2015

Me escondo na minha torre
para melhor aproveitar a vida
e meu tempo.
Entrei aqui para rezar,
agradecer a Deus esta alegria gigante.
Meu corpo quase novo descansa regalado,
tenho sono e posso dormir,
Tenho a faca, o queijo e a fome.
Amo sem pagar e sou amada sem dever.
O dia lá fora é frio,
a água na fonte é limpa,
certa de que sugestionamos elétrons, eu o faço.
Eu não quero saber do universo, sou de verso único.
Sei mais da realidade que nem há.
Na partícula invisível de poeira estelar
vejo a onda indizível do mar.
Ao cheiro de café minhas narinas vibram,
Alguém me chama, escuto.
E eu responderei amorosa,
Refeita de um sonho bom.
Fora alguém me tenha,
Eu quase nada mais sei de mim."

Tão perfeito aqui
CQ

Gratidão a Adelia Prado, por eu saber o que fazer com o domingo.

domingo, 5 de abril de 2015

A lua no céu,
a terra na montanha,
o sal sobre a terra,
a lágrima nos olhos,
um amor no peito.
E eu em mim.

Tudo no lugar.

CQ

domingo, 22 de março de 2015

Improvável poema

Um poema é algo mutável
quando aparece, não existe,
mas já era antes.
Mas então, de repente,
não acontece.
Esconde-se sob uma esquina,
observa
Insinuado numa outra voz,
disfarçado atrás de um olhar
ou até
vindo de um tempo sem lugar
Um poema é vestido de silêncios,
mas sua pele nua
sugere a vida na morte.
Parece calar,
mas entre as linhas, gritos e sussurros
em suas sobrepostas letras soletram.
Um poema é mar, ondas vagas de tinta,
cheio de brancos.
Um poema é sal, de mar e de lágrimas
Inspira e suspira leveza... ou tristeza.
Um poema pulsa nas mãos que vivem ou matam,
em mistérios comove-se
e perde suas palavras,
que nascem, fielmente livres,
para sempre.
Um poema é um sonho
de um artista inconfessável
intimamente calado,
ao menos em parte.
Um poema é um apenas milagre pois até viver parece impossível.

Improvável poema.

sábado, 21 de março de 2015

Em meus cantos
redondos mundos,
palavras perdidas.

Para onde vou,
já saí. Longe estou
de você,
de mim mais
perto.

Íntima, ínfima, infinita.

Meus pares,
minhas palavras,
meus cantos ternos.

Redondo mundo, rodando,
perdido em busca de seu rosto
que não me alcança. CQ

domingo, 8 de março de 2015

Ainda em sonhos meus olhos te sabiam.
Minha boca soletrava,
na tua boca, um beijo.

Eu dizia: você está em mim até
quando eu não estou.

Hoje descobri que voltei e você se foi. Sem mais lembranças, o sonho desperta. O tempo depois do fim sempre termina.

CQ

sábado, 3 de janeiro de 2015

"Siga tranqüilamente entre a inquietude e a pressa, 
lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. 
Tanto quanto possível sem humilhar-se, 
mantenha-se em harmonia com todos que o cercam.
Fale a sua verdade, clara e mansamente.
Escute a verdade dos outros, pois eles também têm a sua própria história.
Evite as pessoas agitadas e agressivas: elas afligem o nosso espírito. 
Não se compare aos demais, olhando as pessoas como superiores ou inferiores a você: 
isso o tornaria superficial e amargo.
Viva intensamente os seus ideais e o que você já conseguiu realizar.
Mantenha o interesse no seu trabalho, 
por mais humilde que seja,
ele é um verdadeiro tesouro na continua mudança dos tempos.
Seja prudente em tudo o que fizer, porque o mundo está cheio de armadilhas. 
Mas não fique cego para o bem que sempre existe.
Em toda parte, a vida está cheia de heroísmo.
Seja você mesmo.
Sobretudo, não simule afeição e não transforme o amor numa brincadeira, 
pois, no meio de tanta aridez, ele é perene como a relva.
Aceite, com carinho, o conselho dos mais velhos 
e seja compreensivo com os impulsos inovadores da juventude.
Cultive a força do espírito e você estará preparado 
para enfrentar as surpresas da sorte adversa. 
Não se desespere com perigos imaginários: 
muitos temores têm sua origem no cansaço e na solidão.
Ao lado de uma sadia disciplina conserve, 
para consigo mesmo, uma imensa bondade.
Você é filho do universo, irmão das estrelas e árvores, 
você merece estar aqui e, mesmo se você não pode perceber, 
a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.
Procure, pois, estar em paz com Deus, 
seja qual for o nome que você lhe der. 
No meio do seu trabalho e nas aspirações, na fatigante jornada pela vida, 
conserve, no mais profundo do seu ser, a harmonia e a paz.
Acima de toda mesquinhez, falsidade e desengano, 
o mundo ainda é bonito.
Caminhe com cuidado, faça tudo para ser feliz 
e partilhe com os outros a sua felicidade."

Desiderata 
Max Ehrmann - 1927

Imagem: Fractais